quinta-feira, 31 de maio de 2012

Buby

Sabe, esse é um texto verdadeiramente pessoal, o que é incomum.
Inspirado diretamente por Daniel Toyoshima, que me fez chorar com o post dele.

Na realidade só estava pensando que fizeram 6 anos que você se foi. Seis anos desde a época que eu chegava em casa e você estaria me esperando. Eu lembro de tanta coisa, você esteve sempre tão presente. Sempre a me esperar. Desculpa se não te dei tanta atenção, desculpa se coloquei um filhote na sua vida (apesar de eu achar que no fundo você gostou), desculpa por naquele dia ter te dado banho na sua casinha, era seu lugar seguro.
Obrigado pelos 13 anos que passamos juntos. Obrigado por sorrir toda manhã para mim. Obrigada por todas as lambidas que você me deu. Obrigado por ter acompanhado tantas vezes meu choro e outras tantas ter me ouvido cantar. No final você foi testemunha de tudo. De tudo que aconteceu naquela casa. É triste chegar lá e você não estar. Mas, agora eu também não estou mais lá todo dia, não?
Você não era meu melhor amigo, você estava mais para um pai. Estava sempre lá comigo quando ninguém mais estava. Era quem me ouvia, quando ninguém mais existia. Nas madrugadas, correndo até o mirante, observando a vista...
Foi... difícil demais ver você ir. A gente tentou, sabe. Eu tentava te dar os remédios, tentava fazer você lutar... E naquele dia você estava tão fraquinho. Parece até coincidência e talvez o fosse. Você esperou eu chegar em casa, me lambeu e eu te fiz carinho, tentei te dar seu remédio e impedi que o Akira pulasse em você. Eu sempre tive medo que você se fosse do nada, sabia? Eu sempre ficava a olhar pela janela durante a noite para checar se você estava respirando, que nem eu fazia com meus pais. Naquela noite, logo antes de jantar, eu não tive dúvidas. O que se abateu sobre mim foi extremo pavor. Eu fiquei da janela olhando e esperando... Olhando o Akira do seu lado, preocupado. Quando minha mãe veio me perguntar o que houve eu lembro que apenas falei que eu não conseguia ir lá.
E eu lembro de quando minha mãe foi e confirmou meus temores. Eu lembro, Deus, eu lembro de que minha mãe que sempre disse não gostar muito do "punkão" estava chorando também. Eu lembro como eu que quis avisar meu pai no telefone, apesar de tudo era o cachorro dele.
Poucas vezes vi meu pai chorar tanto. Ele abraçava e abraçava o corpo dele. E poucas vezes na minha vida me senti tão inútil. Poucas vezes palavras de reconforto de pessoas que eu amava, foram tão inúteis.
E ninguém de fora era capaz de entender. O que era perder seu "pai". Perder alguém que te acompanhava desde os seus 2 anos de idade. Alguém com quem você conversava e partilhava segredos.
Lembro de como me irritei com os comentários alheios no dia, comentários tão estúpidos.
No dia seguinte, eu lembro de duas coisas apenas. Primeiro da Luana. Eu havia contado para ela quando ela me ligou a noite e falei que não queria conversar. Ela levou para mim flores e um cartão que até hoje eu tenho guardado e me abraçou tão forte... E era o que eu tanto precisava. Foi a única vez que algum amigo me viu chorar, pelo que eu me lembre.
Lembro, com uma dor no peito enorme, do Akira. Dele gemendo para entrar em casa e procurando desesperadamente pelo Buby. Procurando na cozinha, no sotão, nos quartos... Incapaz de entender. E lembro dele chorando a noite. O Akira sim, é meu melhor amigo. Não passo metade do tempo que passei com o Buby com ele. A época é outra, minhas obrigações e preocupações ultrapassam as da fase infantil. Mas, o Akira é meu cachorro Com todo o jeito fofo e pulinhos. Ele pode estar "velho" agora, mas ele nunca vai apresentar a sabedoria que o Buby desde cedo demostrou.
Punkão, Chapolin Colorado, Bidu e todos os nomes idiotas que te chamamos no decorrer dos seus 13 anos.
Obrigada.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A história do jovem nômade


Há tempos distantes, quando os países eram reinos e metade do mapa que conhecemos se encontrava no escuro, havia um jovem que transitava entre os reinos. Não era algo muito comum da época, sobretudo sozinho. Contudo, o jovem não parecia abalado.
Ia cantarolando pelo caminho, usando suas roupas surradas. Deixava sua muda boa para quando estivesse mais perto dos castelos, mas não se preocupava. Apenas andava... Trocava conhecimento constantemente com os moradores de cada local e desde então sempre aprendia algo. E continuava sua jornada.
Um dia, o jovem se deparou com uma menina, não mais do que dez anos, sentada numa ponte ricamente ordenada. Deixemos claro nesse ponto, que a menina era muito rica e não a ponte. Ela o encarou firmemente, contudo sem o julgar pelas suas vestimentas e perguntou:
"Que trazes dos outros reinos, viajante?"
"Ora milady, trago um pouco de tudo. Mas a maior parte das coisas trago aqui", responde gentilmente o jovem apontando para a cabeça.
"Poderias compartilhar um pouco de sua sabedoria?"
O jovem faz um aceno afirmativo com a cabeça para logo ser bombardeado com inúmeras questões.
"Calma, calma. Uma de cada vez, mas se me permite deixe-me sentar primeiro", ele diz enquanto se acomoda.
"Como você sobrevive?"
"Bem, com a gentileza dos outros, com frutas, com a água dos rios, troco conhecimento e conversas por comida e cama quente."
"Só isso? Não desmerecendo o conhecimento, mas... Não sabia que tantas pessoas o desejavam."
"Está certa. Não são tantas. Para minha sorte eu possuo um velho violino e uma boa voz."- ele responde com um meio sorriso e seus olhos castanhos logo se tornam mais brilhantes - "Só toco quando tenho uma boa platéia. Ou nenhuma platéia. Você é uma boa plateia?"
"Creio que sim. Só que não poderei lhe dar nada."
"Ora, e nada lhe pedi."
E dizendo isso ele tira seus pertences das costas, uma caixa surrada protege o violino e a despeito de toda a pobreza aparente, ele pega um belo violino e começa a afina-lo. A madeira escura parecia recém envernizada e as cordas não aparentavam desgaste.
"Não entendo como podes ter um violino tão belo."
"Ah, conhecimento consegue as coisas. Com meu conhecimento dos lugares que passei posso ajudar as pessoas e elas pagam por ajuda."
"Interessante... Não há lugar que não precise de ajuda, não?"
"Já andei muito e nunca encontrei um só vilarejo que não precise de ajuda. Digo até que nunca achei uma família que não precisasse de algo."
"Eu não preciso de nada".
"Não, não precisa"- responde ele com um sorriso - "Mas, há muitas coisas que deseja, como por exemplo, respostas para suas perguntas. Agora, o que quer que eu toque?"
A menina tenta recordar de todas as músicas que já ouviu. Que música desejaria nesse momento... Ela alisa seu vestido vermelho e tenta avidamente lembrar. Tenta e tanta, coloca tanto esforço nisso, mas nada. Nenhuma canção surge. Ah, apenas aquela velha música que ronda sua mente a tanto tempo. Será que entre as tantas coisas que o jovem conhecia, ele conheceria a canção que sua mãe cantava?
"Há uma música sim que eu gostaria. Eu não sei o nome e não posso perguntar. Meu pai não gosta que eu mencione minha mãe, ele fica triste... Mas, é assim..."
E com a voz trêmula ela começa a entoar um trecho. Era um som tão belo, simples e entretanto tão reconfortante, claramente uma canção de ninar. Por sorte, já conhecida do jovem músico. Com um sorriso, ele a interrompe.
"Deixa-me tentar atender teu desejo, jovem dama"
E ele sobe o arco para então descê-lo. Com uma desenvoltura inesperada para alguém tão maltrapilho. O som começa a fluir apaixonadamente, com uma força, tão vibrante. E tão perfeito. O coração da menina começa a bater rapidamente, ela sentiu como se ela simplesmente fechasse os olhos sua mãe estaria ali com ela novamente, a bailar. E ela se atreve a fechar os olhos.
Sua antiga casa, seu quarto de infante, seu mundo sem preocupações. Seu mundo quando sua mãe estava lá a olhar por ela. Empregados não substituiriam isso, ama nenhuma substituiria aquele calor e ela podia sentir aqueles olhos esverdeados a olhar para ela, como se fosse um sonho. A música chega ao seu clímax e logo acaba. Ela abre os olhos devagar e descobre sua visão embaçada. Havia estado chorando sem nem o notar. E quando olha ao redor, uma pequena aglomeração havia se formado.  Não houve aplausos, contudo era possível ouvir soluços. E havia dinheiro jogado na caixa do violino. "Então é esse seu poder", ela pensou. Quando finalmente o encara, elaborando mentalmente um agradecimento, ela se espanta. O jovem que lhe parecera tão simples, apenas uma figura caricata que ela parara para passar o tempo, parecia emanar beleza. Os cabelos castanhos reluziam, os olhos claros se destacavam mesmo através da franja comprida que outrora parecia deslocada, agora se mostrava perfeitamente posicionada e o sorriso em seus lábios, aquele meio sorriso, enquanto ele abaixava o arco, para então sim olhar surpreso para a platéia que ganhara.
Ele agradeceu a todos, ouviu o que cada um tinha a dizer, tocou mais um pouco, recebeu comida de alguns, moedas de quem nem tinha o que comer, repartiu o que ganhou com quem mais precisava e quando finalmente todos foram embora lá pelo entardecer, ele voltou sua atenção para aquela que o estava esperando.
"Acertei a canção?"
Ela responde apenas com um leve balançar de cabeça. Não tem palavras para agradecer. Nem sabe como se dirigir a alguém tão belo, tão talentoso, tão...
"Estou indo."
"Já?"
"Ora, já dei minha contribuição para essa cidade."
"Mas - Subitamente um desespero se apodera dela, a idéia de nunca mais ouvir sua música, de nunca mais vê-lo. - Olha quanto conseguiste fazer em um dia, imagina em vários!"
"Enquanto for um show de um dia, sempre haverá interesse."
"Mas...Aqui será diferente. Sempre haverá alguém querendo ver seu show!"
Ela treme quando ele a acaricia no rosto. Seu toque parecia dar choque.
"Isso não é verdade. Você sabe disso. Porque você é diferente, como eu. Só que você tem suas raízes. Eu nunca fiquei parado tempo o suficiente para cria-las. Me vou."
Ela tenta ficar em silêncio, enquanto ele guarda seu instrumento e se prepara para sair, o aperto no coração é forte. Queria tanto uma promessa, um local para encontro. Não era criança, sabia que essas coisas não funcionam, nunca funcionavam.
Lendo o medo, as dúvidas nos olhos dela, ele responde a pergunta não dita.
"Não sei para onde eu vou, não sei onde vou estar amanhã, essa é a verdade. Mas... Se um dia, quando você tiver idade, quiser seguir o mesmo caminho... Tenho certeza que me encontrará. Perguntará nas cidades, por um violinista errante e alguma hora chegarás até mim. Tenho que adverti-lhe, não é uma vida tão divertida, mas é a vida que me serve. Também tenho que dizer que serei um homem velho e você uma bela donzela, provavelmente não serei boa companhia. Mas, ficarei feliz de dividir meus conhecimentos com alguém. Agora vá, volte a sua vida."- ele discursa enquanto bagunça o cabelo dela.
E assim se passa o encontro dos dois. Ela o observando enquanto ele acaba de atravessar a ponte e se dirigindo a saída da cidade.
Se ela deixa sua vida para ir atrás dele, se a história deles se resume a essas breves linhas, se ela se casa com o filho de um próspero comerciante, se ela morre  nos próximos segundos, não importa. Importa que um dia houve um jovem rapaz capaz de criar laços e seguir em frente sem se fixar, capaz de andar seguindo o rumo dos pássaros errantes, que levava uma muda de roupa boa numa sacola e um violino a tiracolo. Que tocava para os deuses ouvirem e que sabia todas as canções do mundo e ainda buscava por mais e que nunca estava satisfeito com o que conhecia. Que passava as noites frias a tocar para que seu corpo não enrijecesse, que raramente tinha abrigo e o que comer nos dias seguintes, contudo era feliz. Que a despeito de muitos o considerarem louco, possuía um jeito tão cativante, que era sempre bem recebido onde quer que fosse. E que o mundo todo ouviu falar nele e nas suas andanças. Que suas histórias continuam a correr por aí. Que muitos o invejavam, mas poucos eram intrépidos o suficiente para fazerem o mesmo. Que houve um jovem rapaz que queria plantar idéias e por isso abriu mão de plantar a si mesmo em qualquer lugar. Que um jovem rapaz um dia desistiu de ser considerado alguém digno pela maioria para se tornar ninguém e acabou virando lenda.




E isso demorou tanto tempo para conseguir ser escrito que é no mínimo envergonhante. Mas, está aí, minha primeira e provavelmente única tentativa de uma fábula.