terça-feira, 19 de novembro de 2013

Ônibus

Não é que ele gostasse de companhia. Muito antes o contrário. Elê adorava a sensação de alívio qur sentia toda vez que pegava um ônibus vazio. E ele sentia o suor escorrer por baixo do terno barato que usava toda vez que o ônibus começava a lotar.
Usualmente apoiava a bolsa na cadeira da frente e sentava no corredor. Como se assim tampasse o caminho e ninguem pudesse sentar ao seu lado. Como se o ato de pedir licença impedisse as pessoas de sentar, como de fato o impediriam. Por isso ele sempre senta no corredor.
Hoje não é diferente. É um desses dias chuvosos da primavera carioca, onde os quarenta graus do dia anterior se transformam em dezoito durante a noite.
Hoje ele passou pelo metrô no centro as seis da tarde sem suar. E se você não sabe o quanto isso é raro duvido que conheça o Rio de Janeiro. O dia está sendo bom, o trânsito está horrendo, mas sem o calor o humor das pessoas sofre uma pequena melhora. Inclusive o dele.
Ele pega o ônibus no ponto final. Senta em sua posição usual, perto da saída e espera. E espera. O ônibus enche lentamente, mas sem parar. Em breve todos os bancos vazios tem uma pessoa e com alguma sorte ele consegue passar por isso sem companhia.
Mas o ônibus continua a lotar.  A ansiedade começa a bater,  a mochila a frente vira um  tambor.
A fila que se forma avisa a ele que  é inevitável.  Não há jeito desse ônibus não lotar.
Dito  e feito,  logo todos os lugares estão lotados.  Há gente nas escadas,  há gente em pé.  E assim o ônibus parte. Tenta partir.  Porque hoje choveu.  Ou seja nada anda.
Os minutos passam  mas o cenário quase não muda.  As mesmas ruas pouco arborizadas,  os mesmos prédios da década de  80, os mesmos pequenos comércios.
Ele não consegue parar de olhar o relógio.  Já fez um jogo consigo mesmo para parar,  mas é
impossível. Os pensamento fluem rapidamente.  A casa vazia, as contas a pagar, uma viagem no início do ano,  aniversário do sobrinho chegando,  tudo tão ínfimo,  mas menos ínfimo do que o que aquieta agora.
Porque o ônibus está cheio e não anda.  E ainda assim não a ninguém ao seu lado.
Ele sabe que não tem nenhum cheiro estranho,  a poltrona não está suja, ele não está ocupando todo o espaço.  A mochila desistiu de sua posição habitual e já se encontra no chão sobre os seus pés. E mesmo assim ninguém. Como se o local ao seu lado fosse invisível. Ele cogitou isso. Não o local ser invisível mas as pessoas simplesmente não estarem vendo.  Possível,  não provável.  Mas a idéia o aquietou um pouco. Claro que foi difícil mante-la com as pessoas se apoiando no corredor ao seu lado.
Talvez essa menina não queira sentar.  Talvez ela esteja feliz ouvindo sua música em pé. Assim como uns outros sete passageiros perto que estão no mesmo estado.  A probabilidade não contribui muito para essa hipótese.
Sem a mochila para ser agarrar ele tenta manter as mãos no colo. Fixas.  Não consegue,  precisa checar o relógio.  Precisa ajeitar o óculos.  Precisa fazer qualquer coisa menos manter as mãos fixas.
Uma hora de viagem pseudo solitária.  O dobro do tempo habitual do trajeto e ele ainda não está na metade do caminho. A chuva está fraca. 
Ele faz  sinal para descer. O motorista abre a porta e em segundos ele se vê do lado de fora sem nada entender.
O trânsito ainda está parado e está chuviscando.  Seus óculos vão  molhar e os seus sapatos vão acabar estragando. Sua mochila não tem o melhor dos impermeabilizantes mas tem uma serie de documentos importantes em compensação.
Mas quando ele ultrapassa o próprio ônibus a pé e vê que agora há dois lugares vazios ao invés de um, ele vai para casa sorrindo sabendo que a culpa,  dessa vez pelo menos não é dele.