terça-feira, 31 de julho de 2018

mãe


E de Beth
Ninguém te chama pelo seu nome, inclusive eu. Acho que é muito carinho e gratidão envolvidos que fazem as pessoas rapidamente trocarem o Elizabeth pelo Beth, Bethinha, Betuca. Ou no meu caso, mãe.








Outro problema de escrever mensages para você é que elas soam repetitivas e essa é a parte cruel porque eu não consigo escrever um texto em prosa se minha garganta se embarga toda vez que lembro de tudo. De como você sempre me protegeu, do seu sorriso, da sua risada, do calor do seu corpo, daquelas noites mal dormidas onde ninguém além de você conseguia me acalmar.
x


Nenhum desses nomes parecem conter os mil universos que você faz parte, entre professora, enfermeira, mãe, amiga, companheira, irmã, cunhada… Você sempre se multiplicou de um jeito mágico que me fazia sonhar e ao mesmo tempo me prende no chão.

É que você é meio avoada, um pouco distraída e capaz de passar dias pintando, desenhando, procurando novidades e fazendo coisas pela casa. Mas, você com mais frequência que não, também é firmamento que se mantém independente do tamanho das batalhas ou das chances que temos de ganhar. É resiliência perante a vida.

Você é fé. Fé nas pessoas, fé no mundo e fé na gratidão que existe nele. Para que ter pressa em julgar quando nós mesmos não somos perfeitos? E sempre repetindo que vai acontecer, o que tem que acontecer e a gente vai lidar com isso da melhor maneira possível. O amanhã ainda não chegou para tentarmos viver nele.

Você também é cética, rígida e detalhadamente didática, o que fez com que eu soubesse em mínimos detalhes o que aconteceria se eu caísse de cabeça. Aqueles momentos que você para e explica as coisas daquele seu jeito muito honesto, fazendo perguntas que incomodam e réplicas cheias de questionamento acompanhadas daquele meio sorriso travesso. Você prefere a dureza da resposta sincera do que amenizar as coisas.

A gente brinca que você é a pior pessoa boa que conhecemos. É meio verdade, você está sempre buscando ajudar os outros sem nem notar. “O que uma mão faz a outra não precisa saber” e nos momentos dedicados aos outros aquela pessoa é a pessoa mais importante do mundo. Sempre dando o seu melhor, mesmo estando cansada, sempre disposta a tentar. Com seu sorriso você conquista e todos que foram tocados por você lembram seu nome e falam sobre como você foi inspiradora para isso.

Só que você também é irônica, um tanto sarcástica e não tem ocasião que te faça rir mais do que quando um de nós leva algum tombo (leve). Ou as piadas de humor negro que sempre te fazem gargalhar.
Você me ensinou que quando andamos juntos, andamos melhor. Que não temos que ser considerados com os outros, mas o que deveríamos ser alem disso? Afinal, o outro tem seus problemas, sua vivência e que eu tenho que pensar nisso. Me ensinou a aceitar o que eu não entendo e a lutar pelo que eu acredito, mas não posso impor minha opinião (que, com certeza, não é perfeita ao ponto que eu não tenha o que aprender). Você espera, você pergunta, se esforça para ver o bem em todos.
Para aquela que verdadeiramente vai sempre me apoiar e seguir meus passos, me aconselhar e respeitar meus posicionamentos. Que vai se preocupar comigo, mesmo quando eu nem ligar para mim. Que vai observar meus passos e se certificar se eu estou bem, mas deixar eu errar. Você me pede tão pouco que fico até envergonhada por tudo que você faz por mim.
Você que é inspiração para tantos, veio a ser minha mãe. Não consigo imaginar o que eu tenha feito antes de nascer para merecer tanta honra. E eu tenho certeza que quando você nasceu o mundo ficou um pouco mais iluminado. Obrigada por existir

quinta-feira, 25 de maio de 2017

You

Depressão pode tirar tudo de você.  Ela vai distorcer sua realidade, sua auto estima. Ela vai ser a voz que te diz todas as coisas mais horríveis, ela vai te manter acordada e vai te afastar das pessoas que você ama. Você não merece ser amada. Você não é boa o suficiente.  Você não consegue fazer as coisas. Para que tentar se nem vale a pena.
Eu sei que você ouve as mesmas coisas que eu 24 horas . Eu sei que você levanta, prepara o café e pensa se vale a pena existir hoje. É nessas horas que eu escolhia uma entre as três opções.
1. Ficar sendo criança na cama e não levantar;
2. Preparar algo de comer;
3. Te contar algo incrível numa tentativa de te empolgar.

Eu sinto falta dessas rotinas e certezas. Sinto falta de saber que você vai estar lá para rebater meus pensamentos e não deixar eu fazer decisões estúpidas.  Mas sinto mais falta ainda de como você me conhece tanto e ainda assim me admira.
Você sabe, depressão não deixa você pensar bem de si mesmo. É aquele peso em cima de você que pode definir boa parte dos seus dias. Então eu não acho que eu mereço admiração alguma, mas eu sinto isso de você.
Se tem algum arrependimento é  nunca ter conseguido passar para você o quanto eu sinto o mesmo.
A vida foi desnecessariamente cruel com você mas mesmo assim você acredita em um mundo bom. Você acredita nas pessoas (mesmo não gostando delas) e no potencial humano.  Você vê o raciocínio por trás das coisas, está sempre se esforçando e buscando ser a pessoa que você quer ser . Claro que tem dias que você está sem saco para tentar mas você ainda está lá e isso conta tanto. Você é amoroso, carinhoso e vive me dando surpresas aleatórias. Você pensa em mim nas coisas mais básicas e cuida da minha sanidade.
Seu gosto para séries é impecavel; você sente música ao invés de ouvir e sempre tenta entender as coisas ao invés de julgar. Você não compreende muito o mundo não, ele não faz sentido para ti. Mas você aceita viver nele e jogar com ele.
Eu te amo. Mas mais que isso eu te admiro. Talvez sejam coisas variantes para mim. Eu só queria que você soubesse que nenhuma das duas vai sumir.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

EX

A primeira não disse adeus. Apesar de toda a mágoa eu entendo que não podia ter sido diferente. Ela deixou o vazio das manhãs de sábado, das risadas na cozinha e de dançar pela casa. Ela era segurança, cuidado, toda de terra. 
Ela me lembrava da escolha que fiz para ficar com ela, mas eu não conseguia me arrepender. Ela aguentou meu silêncio, me fazendo companhia enquanto eu não tinha como expressar o que estava passando por mim. Quando minhas manhãs de sábado passaram a ser ocupadas pelo psicologo , eu disse como era difícil, deixar ela em minha cama e partir. Sábado seguinte, acordei com cheiro de tapioca, música nordestina e garantia que ela ia estar ali. 
Demorou que ela voltasse para minha vida. É que toda vez que a gente se encontra eu fico meio na dúvida do que dizer e meu coração bate muito rápido quando eu imagino as possibilidades que ainda podem se cumprir. Eu não sei se é de medo ou de ansiedade, eu espero nunca descobrir.
A segunda, eu forcei o adeus. Ela me lembra o fim, aquelas cinco horas de discussão no meio da praça, aquele maço de cigarros, aquela vez que eu a fiz chorar com menos de dez palavras... Ela me admira tanto. Me ama tanto. Eu não sabia como lidar. Ela era tormenta e tempestade atrás de tempestade. Ela amava me odiar e dizia o quanto eu era babaca mas ela estava sempre lá mas ela precisava que eu fosse um porto e eu precisava que ela aguentasse nadar.
A gente nunca teve nada haver. Ela não gosta de ficção científica e ama as Kardashians e reality shows. A mesma personalidade impulsiva e ansiosa minha e a falta de fé na humanidade. Eu a amei sem notar. Eu mandei aúdio as 3 da manhã claramente chapada para te dar uma bronca, por ter entrado na minha vida e ter se tornado importante tão rápido, sem eu nem ter conseguido notar. Ela é o motivo de eu ter me aberto para os meus pais. Ela é a minha coragem e a minha sustentação Mas quando a gente estava juntas, ela não era nenhuma dessas coisas. 
Eu tinha certeza que a gente nunca mais se falaria. Mas é ela a primeira pessoa que falo na maioria dos dias e a última também. Eu me esforcei muito para você sair de perto, apesar de todas as merdas que eu fiz. Foi muito egoísta, mas eu gosto tanto da sua constante na minha vida.
O terceiro, eu nunca achei que haveria um adeus. Eu construí uma vida com ele e não é tirando roupas de um armário que eu apago a lembrança na minha alma. É que ele tem cheiro de casa e quando ele me abraça forte, eu me sinto tão confortável que eu consigo chorar. É que eu não consigo imaginar minha vida sem sua presença mas também não posso ficar. É que seu olhar me lembra todos os meus erros que eu não consegui consertar. 
Fui eu que disse adeus, porque eu não conseguia mais me esforçar. Eu estava cansada de te machucar tanto e me sentir incapaz. Eu acredito e ele sabe, que viver uma vida que não é a que você quer é morrer a cada segundo. Quando nossos ventos pararam de seguir a mesma direção, eu já sabia que ia acabar mas cada conversa dilacera a alma, porque eu queria, mas queria tanto conseguir mudar
Vocês conhecem todo o meu pior, toda a podridão e mesmo assim escolheram ficar. Acho vocês meio burros mas eu não sei o que ia fazer se um de vocês resolvesse não estar mais por aqui

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Trigger without warning

Eu tinha 6 anos quando eu entendi que eu não era prioridade. Quando você tem um irmão suicida é isso que acontece.
Das 3 tentativas, eu lembro bem de 2, a primeira é meio difusa. Mas eu lembro melhor ainda de todos os dias que se seguiram a isso.
Eu tinha 6 anos e tinha que entender que okay, eu queria algo. Mas meu irmão queria outra coisa e ele talvez não estivesse aqui pela manhã. 
Talvez ele quisesse pegar meu dinheiro sem avisar, talvez ele quisesse me acordar, talvez ele quisesse que meu aniversário fosse um churrasco. Talvez ele quisesse pegar um livro meu e ele não precisa realmente de autorização pra isso, precisa? Ah é importante pra você? Mas não faz caso com isso, você nem sabe se vai ter seu irmão. Você não pode ser assim egoísta.  Isso nem faz sentido.

Aprendi a não ocupar espaços, a não reclamar, a não ouvir música, não escolher minha comida, não abrir a boca sobre o que eu queria. Aprendi que me dariam forças mas que os caminhos eram solitários e meio fechados mas eu tinha que abrir sozinha.

Não é difícil entender que com o tempo eu passei a desejar que meu pulso estivesse coberto de cicatrizes.  Que aqueles remedios entupissem minhas veias porque aí sim minha voz teria valor. Ou talvez eu morresse e qual seria a grande diferença? Aí eu não precisaria estar sempre fingindo que está tudo bem e ouvindo: ah ela nem dá trabalho, fica feliz com umas coisas bobas.

Porque eu não fico.

Mas o que adianta reunir a coragem do peito e dizer: Não quero. Quantas vezes passaram por cima de mim? O Julio queria.  Julio não fez por mal. Você tem que entender.
Eu não quero na vida adulta ouvir o que eu ouvi quando criança. Eu não quero desejar fortemente estar morrendo também porque não tem nada de bom em estar tentando tanto estar viva. Pelo contrário, tudo fica pior.

Eu sabia que a L. vir aqui seria trigger pra mim. Não sabia te explicar isso mas é tão injusto eu ter que explicar para ser ouvida.  Você sabia que eu não queria nem que você cogitasse isso.

Dói pra caralho saber que minha voz não tem valor. Que 20 anos depois eu estou no mesmo patamar. Que eu devia só aceitar e mentir porque o que eu sinto vai ser ignorado em prol de outras pessoas. Dói saber que depois de 10 anos me conhecendo você ia fazer o mesmo machucado em mim.

Isso não é metade do que eu queria te dizer mas eu não quero te dizer tudo que eu estou pensando.
Eu confiei uma vida em você.
Não me arrependo.
Mas você não vai fazer eu me afogar. Eu me recuso a piorar. Sim, vai doer. Sim, tô com a confiança toda quebrada mas eu vou viver. E eu vou ter essas pessoinhas a minha volta que vão me dar suporte.
Porque hoje eu acredito que eu mereço isso. Que eu posso pedir isso.
Mas não de você.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Bêbada

Minha cabeça zomba
Tudo é confuso
A única constante é você
se eu queria te mandar áudio nesse estado?
Queria.
Não irei fazer.
Você também não o faria.
Recuplrocidadade é tudo
E nessa batalha ninguém vence
Eu certamente não te amo
Mas certamente não sou indiferente
Enquanto meu estômago se reviravolta
Eu só penso em te beijar
Sentir todo o calor junto a mim
com ele me casar
Possível não é
Nem para mim e acredito para ti
Não sei se você se interessa
mais do que em mim
Você sabe ou eu espero, entende a sombra que se instala
entre quem você é e mostra
não por causa de reservas e excuses qualquer
é autlpreservação nua e crua
sim, te quero
não, não vou correr atrás de você

sábado, 5 de novembro de 2016

Presa

Texto de agosto 2010

   Ela gira em meus braços, embevecida. Meu cheiro é o seu néctar. A seguro, forte,confiante. Ela é minha, minha presa do dia. Algo não mais do que por uma noite para mim, mas uma lembrança fixa na mente dela. Gosto da idéia de marca-la. Se pudesse a marcaria fisicamente e definitivamente mas ela provavelmente não vai gostar.

    A observo fixamente. Bela, princesa. Nunca chegará a rainha.. Mesmo assim me delicia
com seu corpo colado ao meu. Beijo-a toda, em especial ao seu pescoço. Aplaco seus
medos, guiando-a. Coloco suas delicadas mãos em meu corpo. Tão delicado quanto o dela e ao mesmo tempo tão menos virginal. Nossas roupas finas de dormir tão logo deixadas de lado. No chão, embaranhadas, elas parecem estar no lugar certo.
 
   Amo-a. Neste momento. Pois mesmo em sua meninice se entrega ao novo, relaxada em meu abraço. Me sinto mãe, me sinto dona dessa pequena. Exploro seu corpo nu com cuidado.
 
   Primeiramente com as mãos, depois deixo a minha lingua continuar. Seu gosto tão doce e
ainda assim não enjoativo. Beijo seus pés. Não quero ver sombra de medo em seus olhos
tão límpidos.
 
   Brinco com seus seios fazendo-os desabrochar. Um carinho suave até que ouça sua voz sussurrar: Lamba-os, por favor... Claro querida. Seu desejo, meu desejo.Ela pede para
brincar com meu corpo. Deixo, é claro. Guio sua mão novamente, mas logo ela não
precisa mais de minha ajuda. Minha putinha nata, uma excelente descoberta.

   Não quero esperar mais, junto meu corpo ao dela. Nossos seios duros, um contra o
outro. Uma sensação de prazer se espalha por mim,ela se encontra toda arrepiada.

   Beijo-a enquanto desço minha mão pronta a explorar sua intimidade. Calmamente descubro o que lhe dá mais prazer, para depois me atentar a isto. Sei que não posso me manter apenas em seus pontos climax, sei como lhe torturar e aí sim lhe dar mais prazer. 

   Ouso, levo minha boca até aquele antro de prazer tão neglicenciado por ela. A excito,
quero fazê-la gozar em minha boca. E com um gemido segurado e um grande arranhão em
minhas costas descubro que alcancei meu objetivo.

   A penetro com meu dedo neste momento, sem esperar permissão. Sinto sua virgindade
latente, sei que ela é minha. A tomo com uma pressa que não me é devida. Rapidamente
ela me penetra da mesma maneira e quando estamos as duas tão perto do gozo, roço nela. 

   Uma intimidade só conhecida entre mulheres, meu ponto mais sensível com o seu. Juntas nos excitamos para um orgasmo final, maior e mais longo...Agora só resta a mim desabar sobre seu corpo, cansada, enquanto observo sua face serena,totalmente livre de
preocupações.

O oitavo dia de neve

Texto de fevereiro de 2011

   
Mais um dos nossos feneceu essa manhã. Não havia nada que pudessemos fazer além de nossas preces. E tenho a impressão que elas também não são de grande serventia. Sabíamos de sua morte, mesmo assim o coração parece pesado e os ânimos abalados. Qualquer soldado é uma vida, uma pessoa. Por mais que não fosse um amigo íntimo você sente. É uma derrota.
   Ele me chamou atenção, admito. Já há uns dez dias aguenta sua ferida sem reclamar. Apenas agradeceu por ter tido a graça de fazer parte desse regimento. Sua ferida não era tão profunda. Mas, o adversário fora ardil.    
   Contaminara a própria espada. Infeccionado o ferimento não consegue cicatrizar.Isso por si só já seria um problema difícil de contornar nas condiççoes de campanha. Somando-se ao inverno rigoroso, sabiamos que a chance de que ele e todos os outros feridos se recuperassem bem era mínima.
   Não os abandonaremos. Raramento o fazemos. Vivos aind apodem ser úteis e mortos, são nossos mortos e devemos encaminhar suas almas aos céus.
   Aqueles que perecem em batalha, não podem receber honras. E nem por isso suas almas se perdem. Não vejo tanto sentido em cerimônias gloriosas para aqueles que já não estão entre nós... Contudo, sigo as ordens de meu capitão... Enterro ou cremo os corpos e dou a eles uma última benção. Mesmo tendo certeza que o tempo que perdemos revirando corpos após um dia sanguinário poderia ser usado para restabelecer as forças dos que voltarão a lutar.
   Dessa vez não reclamo. Já faz oito dias que estamos sobre o abrigo dessas cavernas. Há oito dias nao para de nevar. Há oito dias nosso trabalho se resume a impedir que a neve adentre nosso esconderijo e nos sepulte aqui dentro. Tudo o que devemos fazer é criar calor, cuidar dos nossos doentes, manter a saúde e sobreviver. Há oito dias não vemos uma batalha.
   A ração é escassa, mas nos aguentara por pelo menos mais sete dias. Se todos sobrevivermos... Não acho que isso acontecera. Presumo que poderemos sobreviver por dez, onze dias. Mas, não tenho necessidade nenhuma de provar que meus cálculos estão corretos. Prefiro sair daqui antes se possível.
Observei o ferido que até agora não reclamara. Ele tem sido minha melhor distração por aqui. Esperava ouvir em seus momentos finais uma queixa, um pedido, um desejo de vingança... Qaundo o fedor pútrido começou a sair da ferida aberta, me ofereci para cuidar dele.
   Não por pena ou misericórdia, antes o fosse. Simplesmente queria ter certeza que não perderia sua súplica. Todos somos iguais ao morrer. Todos fedemos. Não que isso não aconteça com a maioria ainda em vida.
Durante dois dias acompanhei sua resistência. Sabia que não era daqueles que estavam conosco por obrigação. Ele queria lutar, Queria continuar a servir ao capitão. Mas, não reclamou.
   Alias, em pouco mais de quarenta e oito horas a única coisa que disse é que eu deveria arranjar uma maneira de ser mais útil ao regimento do que cuidar dos já condenados. Falou isso sem raiva ou rancor. Realmente queria o melhor para nós como um todo.
   Talvez se fosse em outro alistamento a história não fosse assim. A verdade é que é um orgulho poder vestir o uniforme negro com a pequena estampa de dragão rubro. Caleb era um excelente capitão. Sabia o nome de cada um dos membros de suas tropas e notava problemas individuais que os melhores amigos ignorariam. Não havia contendas nesse batalhão.
   Apesar de seu jeito tolo e companheiro, qualquer um que já o houvesse visto em uma batalha sabia o quão sanguinário ele era.  Seu prazer em guerrar era enorme e nós já eramos conhecidos como o braço direito do rei.  Em pouco tempo esperavamos que alguns de nós fossemos escolhidos para integrar sua guarda pessoal e guerreavamos para atingir esse posto.
   Não sei se o soldado a minha frente desejava essa honraria. Não sei se ele tinha essa ambição. Sei que estava morrendo como tantos outros. A guerra é injusta. Sempre foi. Matamos e estamos dispostos a morrer por um ideal, contudo não podemos e nem conseguimos esquecer que nos dois lados há homens bons.
   Não vivemos um conto. Nossos inimigos não são monstros e sim cidadões comuns. Somente aqueles bitolados são capazes de ver humanos comuns com espadas nas mãos como animais. E com esses eu prefiro evitar travar um combate...
   Ele arqueia de dor. Deveriam dar algo que minimize a sensação da morte. Que o faça esquecer essa dor. Nem que seja uma coronhada na cabeça, que pelo menos é uma dor aguda seguida de silêncio eterno... Fiquei ao seu lado a madrugada inteira, o observando. Tentando em algumas horas compreender anos e dor e angústia...
   Não consegui. E ele se foi enquanto eu cochilava... Foi sem eu saber o porque dele não reclamar. Foi me deixando uma dúvida eterna. Ele poderia ter sanado. Poderia ter me ensinado a não reclamar na morte como ele e ter o mais perto possível de uma morte honrada. Entretanto, ele preferiu ser um egoísta e guardar sua calma para ele...
    É o nono dia nas cavernas. E continua a nevar.