sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Dia 2 Caminho.

Acordar suada após um pesadelo já é rotina. Os sonhos são constantes e toda vez que não deito de exaustão eles vêem. São mais lembranças do que sonhos na realidade e quando acordo só posso desejar que durante o dia de hoje não ganhe nenhuma nova memória para abastecer esses sonhos.
A alcova é bem diferente dos outros esconderijos. Me lembra mais um lugar seguro que todos os outros. No inicio eu queria passar todo o tempo aqui, para aproveitar antes que algum desastre ocorresse e eu deixasse de existir. Com o passar das semanas, meses, eu não acho mais que irei morrer a cada esquina. Então deixo para vir em emergências apenas. Mais provável do que eu morrer é alguém me tirar esse lugar se me virem entrando sempre.
Outra coisa sobre a alcova é que ela não recebe luz matinal. Nenhuma. Apenas depois de meio dia o sol começa a entrar o que torna impossível olhar a vista de tarde. E é esse sol que me acorda juntamente com meu estômago reclamando.
Chuto uma hora da tarde agora, quase 16 horas desde a última refeição. Coloco a cama no lugar de antes, levanto os objetos que deixei cair enquanto entrava de madrugada e estou pronta para sair. Abrir os trincos,  a porta, fechar a porta, fechar os cadeados. Rotina de segurança.
Saio do beco com cuidado, a rua já está lotada de pessoas, em busca de algo o que comer, de algum serviço que possam fazer em troca de abrigo ou alimentação. E existem os grupos nos cantos querendo pegar o que as outras pessoas conseguirem.
Logo quando tudo isso começou as pessoas buscaram juntar-se em grupos, em geral com sua própria família. O governo diz que se uma pessoa a cada 4 trabalhar diariamente não vai faltar nada. Mentira. Os vizinhos do meu tio moram em um grupo de cinco, os três adultos trabalham todo dia e as duas crianças parte do dia. É isso ou ser vendida e bem, ninguém quer ser vendido.
Mal saio na principal e o cheiro me enoja. A avenida está infestada de pessoas nos seus mais diferentes estados. Corpos jogados nus no chão, mortos por seus parcos pertences. Crianças tentando saquear o pouco que restou. Casas abertas, vidros quebrados. Isso é o que o apagão faz. Você não precisa ter medo que alguém te veja, ninguém vai pegar seu número de identificação, ninguém vai saber que foi sua culpa. você vai poder alimentar sua família. Agasalhar-la considerando que o inverno está na esquina. Vai poder comprar remédios. Uma chance muito boa para deixar passar e assim a oportunidade faz o ladrão.
Eu prefiro ficar na minha. Lá no inicio, eu ainda tentava pegar alguma coisa, mas fui castigada o suficiente para preferir me esconder. Quanto menos atenção melhor.
Coloco o capuz e caminho até o ponto de ônibus,o que na realidade é só uma plaquinha. O tempo de espera pode ser qualquer coisa entre um minuto e três horas e por mais que nada seria tão agradável (exceto por comida) do que colocar os fones de ouvido, preciso ficar atenta.
A caminhada até  o ferro velho é de cinquenta minutos. A maior parte do caminho é pelo distrito 3 o que significa que já roubaram tudo o que podiam de lá há muito tempo então dá para caminhar mais tranquilamente. O que é bem diferente daqui onde todos te encaram tentando calcular com os olhos quanto você vale.
O ônibus chega antes que alguem decida que eu sou um bom alvo. Lembro subitamente porque qualquer caminhada é melhor do que o transporte público. Nem falo só sobre o fato de quase não haver cadeiras mais, da sujeira e das pessoas dormindo. Não dá para escapar no ônibus.
As janelas podem estar abertas, dando a ilusão de liberdade. Só que a verdade é que eu estou presa aqui pelo menos até a próxima parada. 7 minutos até ela alias. São 19 minutos até a entrada 1 do distrito 3. Tento me concentrar nisso mais do que tudo.
Lily vai ficar tão feliz quando souber o que eu estou levando. Ela e Jos já devem estar voltando das suas obrigações por essa hora e com sorte o velho guardou um pouco de comida para mim. Ele vai ficar chateado por eu não ter ido ao campo. Hoje quero fingir que não preciso ir lá, que não preciso nunca mais ir. Que eu posso simplesmente voltar para o ferro velho, concertar algumas coisas, ver tv - a quanto tempo eu não vejo tv?- beber algo gelado e deitar ao relento. Fingir que amanhã não haverão consequências para esse dia de folga.
Ele não vai falar nada quando me ver chegar assim, ele nunca fala. Algo como você já está encrencada mesmo, que pelo menos você fique feliz até tudo cair na sua cabeça. Acho gentil da parte dele, quase acredito que ele entenda. O que só faz com que eu tenha vontade de chegar mais rápido. O bom de andar é que você faz seu pas-

Nenhum comentário:

Postar um comentário