domingo, 15 de setembro de 2013

Dia 1 Escuridão

Sempre imaginei que a dor de um tiro fosse insuportável. Que se você não morresse com a ferida a dor te matava. Por enquanto está sendo um pouco decepcionante, devo dizer.
Não se engane, você realmente sente que abriram buracos entre os seus tecidos e o sangue quente encharcando a roupa não faz a sensação mais prazerosa. Mas eu estou viva. E isso é mais do que eu esperava.


Eu tinha cinco anos quando a crise aconteceu. O mundo ficou sem energia durante 11 dias. Não deveria ser um grande problema, não? Eu achava que não. Mas, o mundo que se reergueu depois desses onze dias é bem diferente do mundo que havia antes. Em sentidos que eu não posso nem começar a entender.
As pessoas costumam falar como era o país antes da crise. Como tudo era organizado e todos viviam felizes. Mentira. Mesmo sem livros para apoiar minha opinião, eu afirmo que não, as coisas não eram tão boas antes. Mas, pelo menos eles tinham luz...
Tenho um especial apreço pelas noites escuras. Quando decidem desligar todas as luzes da cidade sem aviso prévio. Não sei se é realmente de propósito, acho que com a quantidade de assassinatos que acontecem nesses momentos, deve ser mais para controlar a população. Medo é sempre um excelente controlador.
Há poucas luzes nas ruas e no geral bem fracas, famílias buscando um lugares para se refugiarem. Um lugar que as proteja dos que andam na surdina. Verdade seja dita, não há reuniões dos grupos rebeldes nas noites escuras. Quem tem casa, se tranca. Quem não tem, arranja um lugar vazio, para se trancar também. Eu entendo. Ninguém tem tempo para apreciar as estrelas. Essa gente mal tem tempo para sobreviver. Entendo eles não se divertirem observando a lua. É difícil se divertir quando tem sombras buscando sequestrar seus filhos. Crianças e seu alto valor de revenda.
Também não é seguro para mim. Tenho meus esconderijos fixos já. Um em cada canto da cidade pelo menos, por causa das emergências. Nem todos muito confortáveis, mas esse aqui, esse aqui tem até uma cama. E um rádio. Tudo o que uma garota poderia sonhar.
Passo pelas pessoas correndo por um lugar, entrando no beco. A escadaria de emergência do prédio 156 da rua 17 e pronto. Em alguns minutos estou na porta do terraço. Destranco a porta, abro o cadeado. Entro, passo os trincos. Todos os sete. Quando não se tem muito, o esforço para proteger o que se tem pode ser abismal.
A escuridão me engole com a porta fechada, mas eu sei meu caminho. A parte mais interessante desse esconderijo é a alcova. Pé direito alto, no topo de um prédio de 14 andares, faz com que eu me sinta segura. E também me proporciona uma bela vista do céu da cidade. As estrelas se encontram absurdamente visíveis e não há barulho de carros nas ruas, as patrulhas não passam quando não tem luz.
Puxo a cama para logo abaixo da alcova. Melhor dormir assim. O peso do pacote no meu bolso não pode ser esquecido. Eu sei que tinha que voltar para casa hoje, mas sei que eles vão entender que não é possível. Provavelmente vão ficar mais surpresos de eu realmente ter procurado um lugar para ficar. Tantas coisas para resolver amanhã....
Fecho os olhos e deixo o cansaço tomar conta de mim. A luz do dia trará seus problemas novamente.

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