sábado, 5 de novembro de 2016

Dia 7 Zack, rascunho

As palmas de minhas mãos cobrem continentes
Quando alguem que você gosta morre se forma uma ferida. Algo que você espera que cicatrize mas parece que você tem alguma especie de doença e o negócio nunca fecha. Ele vai fechando aos poucos só que provavelmente ele ainda vai estar aberto quando você morrer também. E se você teve sorte na vida você vai deixar um buraco também e assim todos temos essas estúpidas cicatrizes.
Quando alguém que você gosta vai embora, mesmo podendo ter ficado o buraco é menor. Há uma magoa que não havia antes, um amargor. O problema é que a casca dessa ferida pode ser arrancada múltiplas vezes.
Eu sinto falta do meu pai, eu lembro pouco da minha mãe. Eu já me conformei em não ter nenhum dos dois. Zack é diferente. E entre a imundície do centro da cidade eu procuro por ele mesmo sem esperanças de achar.
Se eu passasse pelo centro de ônibus todo dia, acho que todo dia eu observaria com a mesma esperança depressiva e é por isso que eu não acho que nos quatro anos que se passaram esse buraco está mais perto de fechar.
Por isso não fico feliz de sair do campo diretamente para cá. O velho disse que eles estariam esperando nessa esquina. Quando dá o horário não há sinal dos dois.
Ninguém gosta verdadeiramente de esperar. Eu especialmente. Duplamente especialmente considerando que estou apoiada em um carro empoeirado numa esquina não asfaltada e os prédios baixos semi abandonados ao redor só me fazem acreditar que algo vai me atacar em breve. Eu sei me defender. Mas prefiro não ser atacada, entende?
Dez. Quinze. Vinte minutos depois tem movimento no final da rua. Movimento demais. O Ford para na minha frente com Gary mandando eu entrar correndo. Você sempre obedece quando alguem faz isso. Depois você pergunta porque, mas primeiro você faz.
-Coloca o cinto. diz o velho dividindo sua atenção entre o retrovisor e a estrada a frente. Gary não desgruda os olhos do eespelho e sem querer parecer alarmada mas eu acho que é uma arma que ele tem nas mãos.
Não estamos a duas quadras de distância quando surge uma caminhonete no final da rua e eu sou eternamente grata pelo carinho com que o velho cuida dos seus carros porque aquilo ali com certeza deveria ser mais rápido que a gente.
Conseguimos manter a distância. Mas eles continuam atrás de nós e eu preferia ter ficado esperando do que estar aqui agora.
"Siga pela direita"diz Gary "a segunda avenida está cheia de destroços ainda,o carro não vai passar".
Mas o velho vira a esquerda para o choque de Gary que não exagerou sobre o estado da estrada. Há lixo revirado, carcaças de carros abandonados e pássaros tentando achar alimentos. Mas o pequeno ford passa sem grandes problemas. A caminhonete não. 
Viro para trás e vejo a distância aumentar. 
Suspiro. "Próxima vez sem emoção, por favor"
"Nós só iamos vender algumas peças sobressalentes, como te disse ontem. Mas aí eles não queriam entregar o valor combinado."
"E aí vocês começaram uma emocionante perseguição de carros?"
"Nao.  Aí nós resolvemos não vender." -diz o velho "agora vocês vão dar uma olhada nos potenciais compradores no mercado enquanto eu vou até as docas pegar mais comida. Em meia hora estarei de volta, tratem de usar seus rostos bonitos e lucrar."
E assim somos deixados na entrada do gigantesco galpão negro.
Ele nos deixa a frente 

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